2.1.09

Eternamente Twiggy

Primavera, sábado, 21 horas.
Já não adiantava mais fantasiar.
Sentada em um exíguo canto da cama king, olhando para o rádio relógio, ela finalmente enxergou a máscara que vinha apresentando nos últimos anos ao antigo espelho.
Percebeu, pela primeira vez após cinco décadas, a distância conceitual entre Barroco e barroca.
Ao esguio espelho bisotê de 1,80m de altura, uma herança de família, somava-se a moldura Barroca entalhada à mão, com flores em espiral profusão, uma lasca aqui e outra ali e resquícios de poeira acumulada por 120 anos.
E como era lindo! Já havia passado algumas vezes pelas mãos de restauradores mais ou menos habilitados, mais ou menos talentosos, mais ou menos conceituais.
Já o seu corpo, agora ao estilo barroco como o da moldura, trazia o entalhe arredondado do tempo, assemelhando-a às “Três Graças” de Rubens, distanciando-o do look Twiggy próprio às mini saias libertárias e sensuais das décadas de 60 e 70 quando ela, no auge da juventude, considerava-se bela, sensual, atual, eterna.
Hoje, já não sabia o que vestir, calçar, muito menos o significado da palavra customizar, atitude tão distante do prêt-à-porter paraguaio à Channel adquirido a cada início de estação, sempre após o quinto dia útil do mês, sempre parcelado no cartão de crédito.
As unhas ao natural, cortadas ao máximo, realmente davam pouco trabalho, pouco orgulho, nenhum charme. As sobrancelhas espessas outrora compunham um olhar ora debochado e questionador, ora meigo e sonhador. Hoje, esmagadas sob as lentes dos enormes óculos de grau, pesavam sobre as pálpebras cansadas após mais uma noite de muito trabalho em frente ao computador.
O que haveria ela perdido naqueles últimos anos? Em que pasta, dentre as dezenas visíveis no desktop, ela teria salvado seus sonhos e esperanças.
Num momento de lucidez, abriu todas as janelas de sua memória e encontrou a garota Twiggy no espelho à sua frente, ainda bela e sensual, precisando de um pouco de carinho, compreensão, adaptação e modernidade. Como o espelho, precisava de um restaurador.
Vestiu-se rapidamente e...
Toda beleza é eterna, só é preciso cuidar.

Déia Francischetti